Paulo Freire



“PEDAGOGIA DA AUTONOMIA”
ou “De como Paulo Freire mostrou que educação é mais que arquivar conhecimentos”

“Pedagogia da Autonomia” foi a obra derradeira publicada em vida por Paulo Freire. Lançada em 1996, trata-se de um verdadeiro relicário referente ao crescimento e desenvolvimento da educação e do ato de educar. Através da sua ousadia e destemor, Paulo Freire desafia o professor a abandonar os velhos cadernos da imposição e do acervo de conhecimentos e passar a agir como um condutor do estudante ao conhecimento, que deve ser despertado pelo próprio desvendar do mundo que o cerca, resultando na produção de um ser crítico e liberto das amarras sociais. Antes de entendermos a obra, porém, far-se-á necessário compreender a vitalidade do professor Paulo Freire, que nos deixou há 15 anos atrás.
Nascido em Pernambuco, mais precisamente na capital, Recife, Paulo Reglus Neves Freire é talvez o nome mais conhecido do Brasil em termos de educação. Mentimos: podemos dizer que Paulo Freire representa uma metonímia no quesito educação. Uma pena que esta educação, pela qual Paulo Freire tanto lutou, continua abandonada e sofrendo dos mesmos flagelos que dominaram-na ao longo de 512 anos de “descobrimento” do Brasil. E foi por conta destes mandos e desmandos que o autor notabilizou-se por desenvolver um processo de alfabetização e educação que priorizasse a criticidade do estudante, de modo a possibilitá-lo enxergar o mundo a sua volta de maneira mais reflexiva e liberta das amarras sociais. Logo, Freire propõe que a educação não deve ser vista como um método de imposição e de arquivamento, como os métodos liberais propunham; ele acredita que educação é sinônimo de liberdade e só podemos ser professores a partir do instante em que propomos libertar os alunos das amarras sociais, através da sua conscientização.
Perseguido pelos militares, Paulo Freire precisou sair de seu país – onde era visto como subversivo – para construir uma carreira ao longo do mundo. E foi nos Estados Unidos, na Europa e até no tradicionalíssimo Japão que Freire começou a ver sua obra ser reconhecida. Foi professor da Universidade de Havard, nos Estados Unidos, uma das mais conceituadas do mundo e, por toda a década de 1970, viajou pelo mundo procurando desenvolver os conceitos de sua educação libertária. Voltaria ao Brasil apenas em 1980 e ainda sofrendo certa perseguição do já moribundo regime militar. Em 1989, foi Secretário de Educação da cidade de São Paulo e desenvolveu o Movimento de Alfabetização (MOVA). Após afastar-se da política, continuou como professor até vir a falecer em 1997, aos 75 anos de idade.
Sua pedagogia baseia-se no princípio de que o estudante só poderá ser capaz de se tornar um aluno crítico a partir do instante em que reflete sobre a própria realidade existente. Como dissemos, era preciso “libertar-se” das amarras que o sistema impunha sobre o jovem e, para isso, fazia necessário que o professor desenvolvesse no estudante esta conscientização. No seu método de alfabetização, talvez um dos mais revolucionários de todos os tempos, Freire sugeria que, ao educar o homem do campo com as primeiras letras, deveríamos procurar encaminhar a ele palavras-chave que definissem a realidade em que ele vivia, como terra, enxada, pá e, daí, começar a trazer aquela realidade como microcosmos do mundo real. O maior exemplo disso é o próprio Paulo Freire, que alfabetizou cerca de 300 adultos em 45 dias no Rio Grande do Norte, em 1963. Infelizmente, povos alfabetizados são povos contestadores e, como vimos, Paulo Freire foi perseguido pela ditadura, chegando a ser preso por 72 dias.
A primeira obra que procurou efetivar o seu trabalho foi “Pedagogia do Oprimido”, de 1968. Nesta, critica a educação bancária, o seu aspecto de opressão e de imposição sobre as camadas menos favorecidas e, por fim, propõe a necessidade do diálogo do professor com o aluno, tornando este um sujeito participante do próprio ato de conhecer. Foi a partir deste trabalho que Paulo Freire escreveu uma série de livros que procuram desenvolver a educação libertadora, como “Pedagogia da Esperança”, “Professora Sim, Tia Não” e “Pedagogia da Autonomia”, que é a nossa obra de análise.
O processo da Pedagogia da Autonomia propõe que, para se formar o aluno, é preciso que o professor entenda que o estudante precisa saber conduzir os próprios caminhos. Logo, cabe ao professor conseguir despertar no aluno o seu senso de percepção da realidade, de modo que assim o estudante possa construir o conhecimento e desenvolver a sua prática pedagógica.
Para que o professor tenha sucesso na sua empreitada, ele precisa estar ligado a dois aspectos: primeiro, ele tem que conduzir o seu papel enquanto educador com ética e coerência, pois estas são bases para a prática pedagógica. Por outro lado, faz-se necessário que o professor seja otimista e tenha esperança, até porque comportamentos humanos contaminam o processo de educação. De acordo com Freire (1996, pag. 23), a educação ocorre como o processo de cozinhar: embora existam receitas prontas, só a prática é quem efetivamente conduzirá o futuro educador ao saber educacional. Além disso, quando efetivamente “mexemos na receita”, estamos dosando a comida ao nosso gosto, mas não necessariamente ao gosto de outros. Logo, ao se pensar em educação, temos que pensar que estamos mexendo com seres humanos e que o uso pesado de um determinado tipo de inflexão fará com que os estudantes deixem de ser seres ativos no processo de aprendizado e passem a ser seres passivos, sucumbindo a tudo aquilo que lhes for ensinado. E é justamente isso que Paulo Freire propõe combater.
Ainda sobre a introdução, Paulo Freire propõe três aspectos construtores da Pedagogia da Autonomia. São eles:

I – Não há docência sem discência:

Quando pensamos imediatamente no processo de ensino-aprendizagem, a primeira associação que fazemos é do professor como senhor absoluto do conhecimento e o aluno como mero receptor destas informações. E é justamente este tipo de inflexão que Paulo Freire combate na sua obra. Traçando um aspecto construtivo e crítico sobre a mesma, acredita que o professor é, antes de tudo, um eterno aprendiz. Logo, ele nunca pode colocar o aluno num plano de submissão, pois ele mesmo está aprendendo no processo de ensino-aprendizagem. Além disso, é interessante notar que Paulo Freire acredita que o professor também aprende com o aluno, pois a partir do instante que ele estabelece uma análise da realidade social onde está inserido, acaba sendo provocado a se questionar também sobre aquela realidade, que muitas vezes é muito mais conhecida pelo próprio aluno. Assim, Paulo Freire vê o processo de ensino-aprendizagem como uma troca mútua e não como transmissão de conhecimento.
Para que tal prática tenha sucesso, Paulo Freire sugere que o professor possibilite o aluno a conhecer a realidade vivente ao invés de simplesmente impor suas ideias. Além disso, propõe que o professor não use a educação como arquivamento bancário e que sempre procure despertar a curiosidade do seu aluno, através da própria observação da realidade circundante. Para isso, propõe Freire (1996, pag. 33) que “a curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta, faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos”. Ou seja, a curiosidade é mola-mestra da busca pelo novo, pelo desconhecido, pelo conhecimento. Cabe ao professor saber conduzir o aluno a descobrir e investigar estes novos saberes na sua prática diária.

II – Ensinar não é transferir conhecimento:

Nesta parte, Paulo Freire sugere que ensinar é algo mais que simplesmente falar sobre algo que foi aprendido no passado. Muitos professores têm a mania de transferir os velhos ditames, seus velhos cadernos empoeirados e colocá-los a qualquer modo na cabeça dos alunos. Algo que podemos entender como “se foi bom pra mim, será bom pra você”.
Porém, Freire diz que ser educador não é meramente passar aquilo que já foi escrito, mas propor a busca pelo novo. Ainda corroborando com o que fora dito sobre curiosidade, só quando o ser humano se torna um ser investigador é que ele consegue ter uma verdadeira dimensão da realidade que o cerca. Ser professor, logo, é muito mais que meramente “dar” o conteúdo, mas principalmente desenvolver no aluno a capacidade de investigar, querer mais, buscar mais. Freire (1996, pag. 50) pontua que o ser humano é inacabado e, talvez por isso mesmo, precise sempre buscar o infinito. Nenhum conhecimento pode ser perfeitamente entendido como completo, pois “onde há vida, há inacabamento “(Freire, 1996). Diante disso, far-se-á necessário que o estudante seja instado a nunca aceitar o “tudo”, mas sempre pensar que existe “mais”. O conformismo, de certa maneira, gera uma acomodação que termina por tornar o aluno menos investigativo do que deveria ser. E o aluno só pode ser entendido como um ser completo a partir do instante que se torna crítico da sua própria realidade.
Para que sejamos professores de fato, Freire propõe que não usemos a educação apenas como um “bico”; precisamos tornar ela um fato verdadeiro e vivido de nossas vidas e da nossa prática. Sem ela, tudo o que vivemos não terá sentido real.

III – Ensinar é uma especificidade humana:

Aqui, Freire tangencia a questão de que ser educador é uma questão de vida, de doação e de luta. Uma luta social, que precisa ser desenvolvida sem medo e sem temores. Assim, para Freire, o professor precisa ser seguro de si, mas nunca pode simplesmente confundir segurança com autoritarismo. Muitos professores, no afã de querer afirmar os seus pensamentos, apropriam-se da ideia de serem os únicos que a conhecem, quando na realidade aquilo é partilhado por vários. Ter segurança, portanto, não é ser arrogante, mas sim ter domínio da prática docente. É saber entender, pensar, refletir e balizar o pensamento do estudante, de modo a motivá-lo e torná-lo um ser reflexivo acerca do mundo e da realidade que o cerca.
Aliás, Freire deixa claro que ensinar é uma necessidade humana. Só através da educação que os conhecimentos podem ser plenamente desenvolvidos e instados no “con-viver” do aluno com o meio social ao qual ele esteja inserido. Ter a percepção de aprender não é simplesmente ouvir, mas participar, questionar, combater os pensamentos pré-estabelecidos. Logo, cabe ao professor ser um guia para o aluno nesta percepção, sem contudo deixar com que esta luz caminhe numa única direção, num único túnel. Faz-se necessário entender, logo, que o processo de aquisição da aprendizagem é um meio necessário ao ser humano e nunca pode ser feito visando um único caminho, mas sim procurando contextualizar e questionar a realidade vivente do jovem com o seu próprio mundo.
Por fim, Freire ainda acredita que a educação é uma maneira de revolucionar o mundo e a realidade existente. Sem ela, como podemos dar ao aluno todas as capacidades já discutidas ao longo de nosso texto. Logo, o professor precisa ser um crítico da sua realidade, alguém que não aceita os ditos como únicas verdades. Logo, este comportamento de criticidade precisa ser compartilhado com o aluno, que ao ser contaminado com tal atitude, irá desenvolver um aspecto crítico e consciente da realidade que o cerca.

Colaboraram para este artigo: Raimundo Gilson dos Santos Júnior, Raimundo Silva de Oliveira, Marcos Antônio de Jesus e Vanessa de Jesus Araújo.