Moacir Gadotti








Educação e poder[1]
Itanara Martins
Lourival Andrade Júnior
Mila Paim

1.  Breve introdução

Ao longo da história do Brasil houve mudanças na educação, sempre atreladas à questão do poder. Desde a colonização, os caminhos educacionais têm sido norteados por uma minoria dominante, embora perpassados pela luta da maioria em prol da igualdade, justiça e democracia. Neste cenário, tantas e diferentes tendências pedagógicas vêm permeando a nossa trajetória educativa. Contudo, duas delas são marcantes: a Pedagogia Liberal e a Pedagogia Progressista.
 A Pedagogia Liberal revela-se antidemocrática, fechada e tradicional; focada nos interesses do sistema capitalista, prega o autoritarismo, a desigualdade e a exclusão. Dessa forma, a educação está pautada nos moldes do Estado e não tem interesse de fazer o indivíduo pensar, tornando-o um ser alienado, pronto para absorver tudo que lhe é imposto.
A Pedagogia Progressista, por sua vez, pressupõe o processo democrático, propondo uma análise crítica do sistema capitalista e sustentando as finalidades sociopolíticas da educação. Defende, portanto, a autonomia, eqüidade e inclusão.
Cada uma das tendências acima citadas apresenta vertentes.
A Pedagogia Liberal Tradicional constitui aquela na qual o indivíduo é mero receptor do conhecimento; a exclusão se dá porque o professor detém o ensino e a aprendizagem, sendo o único dono do saber. Já a Liberal Tecnicista busca “robotizar” os indivíduos por meio de técnicas e procedimentos, ou seja, direcioná-los para atender as exigências do Estado e, consequentemente, do mercado de trabalho.
A vertente Renovada Progressista direciona a escola para atender as necessidades do alunado. No Brasil, ela ficou conhecida como Escola Nova; os intelectuais acreditavam no crescimento do país através da educação, que, poderia, efetivamente, combater as desigualdades. A tendência Renovada Não-diretiva propõe a escola como formadora da personalidade, do autoconhecimento e realização pessoal; as relações interpessoais como fator de superação para aqueles que se encontram à margem e ao centro do sistema.
Na Pedagogia Progressista Libertadora, defendida por Paulo Freire, o saber ensinar não significa transferir conhecimento, mais criar possibilidades para o desenvolvimento da conscientização; a escola deve ser um espaço de luta coletiva para reavaliar a realidade, propondo o diálogo e a problematização. Já a Progressista Libertária, propõe a autogestão, onde o estudante deve ser preparado para se tornar um agente transformador, revolucionando a sociedade capitalista. Por fim, a Progressista Histórica – critica, também conhecida por Pedagogia Crítico-social dos Conteúdos, institui o pensamento crítico do excluído, a seleção de conteúdos significativos que propiciem a inclusão social.

2.     Pedagogia do Conflito

O livro de Moacir Gadotti, Educação e Poder: introdução à pedagogia do conflito, reúne textos e documentos que permitem entender a educação como prática do conflito. Para Gadotti, a Pedagogia do Conflito não constitui uma teoria, tal qual aquelas citadas na nossa breve introdução, mas, sim, uma prática pedagógica que procura desocultar o conflito reinante no mundo capitalista mediante o exercício de uma filosofia crítica.
Neste sentido, Gadotti apresenta o conflito como caminho de embate para se chegar a um denominador comum, ou seja, um caminho para desmitificar a ideologia dominante e fortalecer a educação dos oprimidos.
Uma dessas colisões de ideias centra-se na própria educação contra si mesma. Segundo ele, lutar contra o analfabetismo, que para o nosso país implica não saber ler nem escrever, vai muito além da mera decodificação de letras e palavras. A minoria dominante não tem interesse em tornar o ato educativo como uma interpretação da realidade, pois o ato de alfabetizar implicar conhecer o mundo que nos cerca. Assim, o processo pedagógico tem sido uma luta contra a educação dominante, o que constitui um conflito, um embate.
Para Gadotti (1982, 53):

(...) a história da educação brasileira é a história da educação do colonizador. A pedagogia do colonizador forma gente submissa, obediente ao autoritarismo do colonizador. Nessa pedagogia, o educador tem por função policiar a educação para que não se desvie da ideologia do dominador.


Esta pedagogia do colonizador, contrária à pedagogia a qual conhecemos como progressista, que oportuniza ao estudante uma reflexão crítica do mundo no qual está inserido, ainda permeia as nossas salas de aula. Daí, a educação deve ser repensada, abolindo-se as imposições do aparelho repressivo estatal, que está atrelado aos interesses do capitalismo. A política neoliberal objetiva demandar profissionais para atender as necessidades do mercado capitalista, tendo a periferia enquanto corpo braçal. Por isso mesmo, a educação dominante canaliza esforços para a dominação das massas, o controle efetivo do pensar, do conhecer, do fazer.
Gadotti apresenta uma similaridade com a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire; os dois concordam que nenhuma pedagogia é neutra; toda ação educativa pressupõe uma ação política, o que implica dizer que os profissionais da educação devem atentar para suas convicções: concordar com o sistema capitalista ou enfrentar suas disparidades; lutar contra os interesses da educação dominante ou defender a alfabetização dos oprimidos.
O professor, o pedagogo e outros profissionais da educação têm o papel de incomodar e coordenar debates, pois exercem as funções de pensador critico e formador de opiniões. Talvez, por isso mesmo, o descaso e a perseguição com os trabalhadores educacionais, que, de certo modo, ameaçam os desmandes do Estado, a ideologia vigente.
Segundo Gadotti (1982, 60):

(...) a pedagogia do conflito, portanto, pretende mostrar, que não existe uma educação neutra e que toda vez que o educador evita a questão política da educação, a vinculação entre ato político e o ato educativo, está defendendo certa política, camuflando, ingenuamente ou conscientemente, essa vinculação.


Quando Gadotti relaciona educação e poder, ele introduz questionamentos para repensarmos de que forma podemos fazer a diferença, em meio a pedagogia dita como certa, a educação dominante, que beneficia, unicamente, a burguesia dominante, interessada em continuar ditando as regras. Com isso, faz-se necessário refletirmos e combatermos aos desmandos instituídos pela sociedade capitalista, muitas vezes velados. Parece-nos que a educação é um jogo de poder e, se assim for, não tem neutralidade. Sendo assim, se não nos posicionarmos, estamos, de alguma forma, assumindo uma posição partidária, contribuindo, seja lá como for, para a permanência da dominação, opressão e exclusão.

3.     Algumas conclusões

Dado o exposto, podemos inferir que as tendências pedagógicas, também caracterizadas como correntes filosóficas, repercutem no processo educacional e subsidiam a prática docente. Com suas devidas particularidades, tais pedagogias ora se completam, ora se contrapõem. Conforme nos alerta Fagundes (2011, p 268),

Quanto às correntes filosóficas, também denominadas tendências pedagógicas, sem dúvida, concordamos que subsidiam a prática docente. Construída num contexto coletivo, mas de forma particularizada por considerar o momento histórico e a quem se destina, essa prática docente calcada na teoria atua na realidade, transformando-a.


É neste sentido que o livro de Moacir Gadotti, aqui focado, oportuniza uma reflexão crítica sobre o nosso fazer pedagógico, que, quer queiramos ou não, também é filosófico. Refletindo sobre a nossa prática, podemos vislumbrar os caminhos que pretendemos seguir, tomando decisões conscientes de como conduzir o processo ensino e aprendizagem.
Assim, é imperativo entendermos que as concepções de escola, ensino e aprendizagem norteiam as nossas ações pedagógicas, que por seu turno, pressupõem uma ação política. Assumir uma filosofia crítica da educação significa assumir uma prática pedagógica reflexiva, capaz de romper os liames da educação burguesa dominante no Brasil.



Referências

FAGUNDES, Tereza Cristina. Abordagens Histórico-filosóficas da Educação. Módulo do Curso de Letras EAD. 1º Semestre. Salvador: UNIFACS, 2011.

GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. São Paulo: Cortez, 1988.





[1] Texto produzido para a disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica III do Curso de Letras – Licenciatura em Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas da UNIFACS, PA8 – Iguatemi, como requisito do processo de avaliação do 3º Semestre, sob a orientação do Prof. Antônio Carlos Gouveia Filho. Salvador, jun 2012.

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Breve biografia de Moacir Gadotti

Moacir Gadotti é professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) desde 1991 e o atual diretor do Instituto Paulo Freire em São Paulo. É professor aposentado da Faculdade de Educação do Estado de São Paulo (FEUSP).
Gadotti é licenciado em Pedagogia e Filosofia, mestre em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra (Suíça) e livre docente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Foi professor de História e Filosofia da Educação em cursos de graduação e pós-graduação em Educação e Filosofia de diversas instituições, entre elas a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a Universidade Estadual de Campinas e a Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Foi assessor técnico da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (1983-1984) e Chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo (1989-1990), na gestão de Paulo Freire.
Possui várias publicações voltadas para a área de educação, em que desenvolve uma proposta centrada na formação crítica do educador e na construção da Escola Cidadã, numa perspectiva dialética integradora da educação e orientada pelo paradigma da planetariedade. Também desenvolve estudos em torno da Pedagogia do Conflito, uma prática de educação baseada na filosofia crítica da ideologia dominante.
Nasceu em 01 de outubro de 1941 em Rodeio, município de Santa Catarina.
Obras
  • Pedagogia: diálogo e conflito. (Cortez, 1985)
  • Educação e compromisso. (Papirus, 1985)
  • Educação e poder. (Cortez, 1988)
  • Marx: Transformar o Mundo. (FTD, 1989)
  • Histórias das Idéias Pedagógicas (Ática, 1993)
  • Pedagogia da Práxis (Cortez, 1995)
  • Paulo Freire: Uma bibliografia (Cortez, 1996)
  • Perspectivas Atuais da Educação (Artmed, 2000)
  • Pedagogia da Terra (Petrópolis, 2000)
  • Os Mestres de Rousseau (Cortez, 2004)
  • Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido (WTC Editora, 2007)
  • Educar para um Outro Mundo Possível (Publisher Brasil, 2007).


Referências bibliográficas
Moacir Gadotti. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Moacir_Gadotti>. Acesso em: jun 2012.
Moacir Gadotti. Disponível em: <http://www.paulofreire.org/institucional/diretores/moacir-gadotti>. Acesso em: jun 2012.